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Série: Mais Um - jornal de matemática - Ano 2013

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Álbum de figurinhas da Copa: um ensaio para 2014

Por: José Eduardo Ferreira da Silva

No período que antecede os jogos da Copa do Mundo de Futebol, reaparece, dentre as mais variadas estratégias de marketing, o "Álbum de figurinhas da Copa". Em sua versão impressa, uma publicação de caráter puramente propagandístico, onde boa parte das "informações" encontra-se em um número elevado de cromos ou figurinhas, as quais, em quantidade bastante reduzida - depois de serem acomodadas ao acaso em pacotes lacrados, são vendidas nas bancas de jornais de todo o país. 

Portanto, nada mais do que um jogo de azar voltado para o público jovem que, com uma avidez surpreendente, rapidamente transforma este jogo em uma mania muita lucrativa para poucos e bastante dispendiosa para muitos.

No ambiente escolar, o fenômeno "Álbum de figurinhas da Copa", por mobilizar grande parte dos estudantes, faz suscitar ao Professor de matemática algumas questões que podem vir a se constituir elementos de motivação para discussões mais elaboradas sobre a atribuição de probabilidade, tanto no enfoque clássico, como no enfoque da frequência relativa experimental.

Álbum da copa de 1962

248 figurinhas (Ed. Vechii)

Desse modo, e tendo em vista a Copa do Mundo de Futebol de 2014, este ensaio - que, em parte, apoia-se nas propostas para a utilização da simulação computadorizada oferecidas por CAMPOS, WODEWOTZKI & JACOBINI (2011) e SOUZA & LOPES (2011) - tem por objetivo apresentar algumas sugestões para o exercício circunstancial da modelagem matemática, as quais foram elaboradas a partir de duas diferentes questões trazidas por alguns de nossos estudantes, durante o período que antecedeu os jogos da Copa do Mundo de 2010.

Primeira questão

Dentre as questões recorrentes em nossas salas de aula, nosso primeiro destaque é para aquela, através da qual, parece-nos possível fazer valer um processo de contagem semelhante ao utilizado por Pierre de Fermat (1601?-1665), quando apresentou uma solução para o problema dos pontos. (cf. Ives 2004, pp. 393-394).

Especificamente,

"POR QUE É QUE QUANTO MAIS PACOTINHOS EU COMPRO, MAIS FIGURINHAS REPETIDAS APARECEM?"


Para responder a essa pergunta, vamos supor um álbum com um total de cinco (5) figurinhas (A, B, C, D, E), as quais deverão ser distribuídas em pacotes fechados, cada pacote contendo, sempre, dois (2) cromos distintos. (Figura 1).

Nessas condições (conforme figura 2), existem exatamente  dez (10) diferentes maneiras de se organizar duas (2) figurinhas distintas em um pacote.

Ora, mas como não não existem figurinhas coladas no álbum, isso significa que, após "comprar" e abrir o primeiro pacote, também não existem chances de se obter cromos repetidos.

Em matemática, como probabilidade é um número, então dizemos que, para a abertura do primeiro pacote, a probabilidade de se obter cromos repetidos será 0 (zero).

Vamos supor, agora, que um determinado indivíduo, após "comprar" e abrir o primeiro pacote, encontre nesse pacote os cromos (A, D) e, em seguida, cole essas figurinhas no álbum. (Figura 3).

Nessa nova situação, não é difícil ver (conforme figura 4) que o número de possibilidades de aparecer cromos repetidos no segundo pacote aumenta consideravelmente.

Especificamente, enquanto não havia a possibilidade de se obter cromos repetidos no primeiro pacote - a probabilidade era 0 (zero); no segundo pacote, as chances de obter cromo repetido passa a ser de sete (7) em dez (10) opções.

Em termos matemáticos, dizemos que a probabilidade de se obter uma figurinha repetida no segundo pacote está na razão de 7 para 10. Ou, de modo mais simples, que a probabilidade é igual a 7:10 = 0,7.

Logo, o resultado é que quanto mais cromos colamos no álbum, maior é a chance de que no próximo pacote apareçam figurinhas repetidas. Por isso, quanto mais pacotinhos compramos, mais figurinhas repetidas aparecem.

Segunda questão

A segunda questão, também recolhida em nossas salas de aula, é aquela, através da qual, parece-nos possível oferecer a frequência relativa experimental gerada aleatoriamente através do computador, enquanto recurso para a determinação de distribuições probabilísticas empíricas.

Especificamente,

"QUANTOS PACOTES DE FIGURINHAS DEVO COMPRAR PARA COMPLETAR O ÁLBUM?"


Porém, como o nosso objetivo é o de procurar garantir uma abordagem estatística para o problema, então o primeiro procedimento consiste em romper com o determinismo de regularidade ingênuo nele contido. Podemos tentar isso propondo uma reformulação da pergunta. Por exemplo,

"QUAL É A PROBABILIDADE DO MEU ÁLBUM ESTAR COMPLETO, APÓS EU COMPRAR UMA CERTA QUANTIDADE DE PACOTES?"

Aceita a reformulação, podemos então apresentar a seguinte provocação: "(...) vá a uma banca de revistas e comece a comprar pacotinhos de figurinhas até conseguir completar o álbum. Repita a experiência o maior número de vezes possível, sempre anotando o total de pacotinhos utilizados para cada álbum.  Depois, volte com esses resultados para discutirmos o assunto."

Em geral, uma provocação que tem nos levado ao seguinte impasse:

"ESPERE AÍ! Mas, como fazer isso se, na prática, a gente mal consegue completar sequer um álbum?"

Que tal utilizar uma simulação por computador? Podemos, e não é muito difícil fazer isso, programar um computador para que ele, aleatoriamente, monte um pacotinho de figurinhas, abra esse pacote, cole as figurinhas não repetidas no álbum e continue a fazer isso até que o álbum fique completo. Quando isso acontecer, orientamos o programa para que nos informe a quantidade de pacotes utilizados para completar o álbum.

Contudo, como o intuito é estabelecer uma interpretação estatística, isso significa que de nada adianta fazer uma única experiência, pois ela nada nos informa além do que, nessa experiência específica, foi gasto um certo número de pacotes. Por isso, é também necessário que a experiência de completar um álbum se repita o maior número de vezes possível. Vejamos isso.

Antes, porém, duas considerações:

 

1- Neste estudo, vamos considerar um álbum com um total de cinco (5) figurinhas (A, B, C, D, E), as quais deverão ser distribuídas em pacotes fechados, cada pacote contendo, sempre, dois (2) cromos distintos.

 

2- Além disso, ficaremos limitados à quantidade total de pacotes necessários para completar um álbum, sem considerar a possibilidade de troca de cromos entre colecionadores. Caso o leitor tenha interesse em se aprofundar no assunto, sugerimos a leitura do trabalho de Maia (2011).

Assim sendo, passemos ao planejamento e procedimentos utilizados para obtenção e organização descritiva dos dados.

Planejamento: o primeiro passo foi, com o auxílio da planilha de cálculo Excel, gerar de modo indutivo a distribuição teórica das probabilidades dos totais acumulados de álbuns completos, em função no número total de pacotes utilizados (vide Tabela 1). Quanto às razões para esse estudo preliminar, a primeira delas foi para fixar um intervalo que garantisse a análise de um percentual superior a 95% dos resultados obtidos. A outra razão foi para fixar parâmetros que nos permitissem avaliar a pertinência das distribuições probabilística geradas, aleatoriamente, pela função randômica do artefato computadorizado Álbum de figurinhas (Silva, 2013).

Obtenção dos dados: em relação os dados brutos utilizados, eles traduzem as frequências relativas dos números de pacotes necessários à completude de 1.000 álbuns, geradas aleatoriamente pelo computador, a partir do artefato Álbum de figurinhas(Silva, 2013).

Tratamento e apresentação dos dados: para o tratamento e apresentação dos dados utilizamos o aplicativo Excel para os seguintes procedimentos: 1°) calcular - a partir dos dados empíricos coletados - os percentuais relativos às quantidades de álbuns completos após a abertura de um determinado número de pacotes; 2°) determinar, em função dos dados obtidos anteriormente, os percentuais acumulados de álbuns completos [vide Tabela 1]; 3°) verificar a correlação entre os valores teóricos e os valores empíricos utilizados e; 4°) gerar gráficos [vide gráfico 1].   

Tabela 1

Gráfico 1

Dentre os resultados obtidos, merece destaque o valor de 0,999807 obtido para coeficiente de correlação, o qual aponta para a presença de uma correlação positiva forte entre os dados empíricos e os dados teóricos. Portanto, muito razoável nos parece ser aceitar a combinação dos artefatos computacionais Álbum de figurinhas e Excel enquanto recursos legítimos e suficientes para oferecer considerações sobre o problema em questão, ou seja, "Qual é a probabilidade de meu álbum estar completo, após eu comprar certo número de pacotes?"

Com efeito, pois no caso específico desse estudo preliminar, podemos, por exemplo, afirmar com propriedade que, após a abertura do décimo pacote, a probabilidade de um álbum estar completo é de aproximadamente 95%. Dito de outra forma, se a ideia é minimizar o risco de não se completar o álbum, então compre um número de figurinhas suficiente para encher quatro álbuns, e é bem provável que pelo menos um deles fique completo.

Quanto às perspectivas desse estudo para a sala de aula, a mais imediata é a de que oferece ao estudante subsídios para obter, tratar e analisar descritivamente dados referentes a um problema real e imediato. Especificamente, "Qual é a probabilidade do álbum de figurinhas da copa de 2014 estar completo, após serem comprados certo número de pacotes?"

Todavia, como ainda não sabemos o número total de cromos desse álbum, vamos, a título de ilustração, tomar como referência o álbum de figurinhas da Copa de 1970 (102 cromos), supondo que os cromos tenham sido vendidos em pacotes fechados, cada um com cinco figurinhas diferentes (ver gráfico 2).

Gráfico 2

Note-se que, para este caso, enquanto a probabilidade mínima de 1% de álbuns completos ocorrerá após a compra de cromos suficientes para se encher três álbuns (~63 pacotes = 365 cromos), a probabilidade de 95% de álbuns completos somente será alcançada após a compra de cromos suficientes para se encher aproximadamente sete álbuns (~150 pacotes = 750 cromos). 

No que se refere aos possíveis estudos de aprofundamento, sugerimos a simulação de resultados amostrais com base em resultados extraídos de grandes amostras que, entre outras coisas, nos permite abordar uma importante questão sobre variabilidade em resultados amostrais. Especificamente, se tomarmos duas amostras aleatórias diferentes, de mesmo tamanho, os resultados amostrais serão diferentes? (cf. CAMPOS, WODEWOTZKI & JACOBINI 2011, p. 85)

Para exemplificar, tomemos - para o caso do álbum com um total de cinco figurinhas, distribuídas em pacotes com dois cromos distintos - o gráfico comparativo entre os percentuais dos totais acumulados de álbuns completos, após a abertura de n pacotes, em dois casos diferentes. No primeiro, para duas amostras diferentes, cada uma com dez álbuns (ver gráfico 3) e, no segundo, para duas amostras diferentes, cada uma com cem álbuns (ver gráfico 4). Note-se que uma simples inspeção visual desses dois gráficos remete-nos, de imediato, a pelo menos um importante tópico relacionado à amostragem estatística. Em suma, a importância do tamanho da amostra para a confiabilidade dos dados. 

Gráfico 3

Gráfico 4

Finalmente, como o enfoque da freqüência relativa ou interpretação estatística parte do princípio de que o provável é aquilo que normalmente acontece; então, porque não fomentar, através da descrição dos outliers, reflexões acerca do determinismo de realidade ingênuo contido na questão, a partir da qual essa proposta de trabalho foi elaborada. Ou seja, “Quantos pacotes de figurinhas devo comprar para completar um álbum?”

Considerações finais

A primeira consideração é a de que, se por um lado, este ensaio oferece sugestões ao exercício da modelagem matemática; por outro, trata-se de uma proposta que aposta na circunstancialidade. Dito de outra forma, isso significa que para fazer valer a nossa perspectiva de trabalho é imprescindível que as questões cheguem até nós, professores, pelos estudantes.

A segunda consideração é sobre as delimitações de nosso estudo em relação à atribuição de probabilidade, sob o enfoque da frequência relativa experimental. Em síntese, um estudo que busca apresentar descritivamente a distribuição de probabilidades das quantidades totais de pacotes necessários para completar um álbum de figurinhas impresso, sem considerar a possibilidade de troca de cromos entre os colecionadores.

Portanto, um trabalho que, além de não avaliar o efeito da troca de cromos nas distribuições de probabilidades, também não faz menção à versão computadorizada do álbum de figurinhas virtual para a internet, lançada pela primeira vez no período que antecedeu à Copa do mundo de 2010. Porém, caso o leitor tenha interesse em se aprofundar nesses assuntos, sugerimos a leitura do trabalho de Maia (2011).

Finalmente, não obstante nossos trabalhos de sondagem durante o período que antecedeu os jogos da Copa do Mundo de 2010, em relação às possibilidades desta proposta de trabalho no sentido de refrear o ímpeto de consumo que assola os estudantes em tais situações, isso ainda se constitui, para nós, uma questão em aberto.

Leituras complementares

Simulador digital:  Álbum de figurinhas

O paradoxo das coincidências de aniversário

Paradojas en la historia de la probabilidad como recurso didáctico.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMPOS, C. R; WODEWOTZKI, M. L. L. e JACOBINI, O. R. Educação Estatística: teoria e prática de modelagem matemática. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2011.

IVES, H. Introdução a História da matemática. Unicamp. Campinas, 2004.

MAIA, F. F. Completando álbuns de figurinhas: um caso do problema do colecionador de cupons. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: Centro Federal de Educação Tecnológica Suckow da Fonseca, 2011.

SILVA, J. E. F. Álbum de figurinhas. (Simulador digital). In: www.projetozk.com . Fevereiro de 2013.

SOUZA, L. O. e LOPES, C. E. O uso de simuladores e a tecnologia no ensino da estocástica. In BOLEMA Vol 24, n. 40 (pp. 659 – 677), de dezembro 2011.



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